Riscos Ocupacionais

 Riscos Ocupacionais

"Não existe atividade econômica que não tenha algum risco social associado." - Milton Friedman, economista e ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1976.


Contextualização.

    Foi uma semana de trabalho corrida para Cláudio, que tem uma pequena panificadora no centro velho da cidade. Só felicidade, já que depois da pandemia de COVID-19 tudo ficou parado por muito tempo e ele quase quebrou.

    Hoje estão abrindo mais cedo e a produção tem que se iniciar a todo vapor, já que são muitos pedidos no inicio da manhã e ele quer garantir o atendimento aos clientes, com perfeição! O dia anterior foi bastante corrido, tanto que ele se ausentou antes do final do expediente, para ir ao médico.

    Encontrando seu caixa na porta do estabelecimento, com quase todos os outros colaboradores Cláudio da falta do padeiro:

      - Onde está nosso mestre padeiro? 

     Qual foi sua surpresa quando ficou sabendo que houve um acidente de trabalho e naquela manhã não haveriam pães quentinhos, com a mesma qualidade, porque o seu principal colaborador prendeu o dedo numa das máquinas da produção, inclusive o perdendo!

   - Eu não entendo! A consultoria de segurança de trabalho disse que não tínhamos riscos ocupacionais aqui na padaria, nem do tal PGR precisávamos mais! 


Introdução.

   Falar em Riscos Ocupacionais, na prática, nunca foi olhar somente para os clássicos agentes físicos, químicos e biológicos, como tradicionalmente pontuava o antigo texto da NR09 (quando falava em PPRA). Na realidade sequer o texto atual, por isso seu título especifica quais agentes.

    Aqui vamos falar sobre Riscos Ocupacionais sob a perspectiva da Higiene Ocupacional (HO), mas então por que contextualizar o tema falando sobre um risco de acidente? 

    Justamente pela importância que há em termos sempre em mente que há outros riscos associados a atividade econômica, aliás a qualquer atividade econômica, como cita o prêmio Nobel de Economia, e que tenha impacto social ou financeiro. Para todos a SST é uma solução, ou parte dela.

   Isso porque quando ações de segurança e melhoria contínua não estão propiciando melhorias contínuas de processos de qualidade elas estão, no mínimo, prevenindo acidentes e doenças ocupacionais.


Conceito.

    Entende-se por Riscos Ocupacionais qualquer ameaça à saúde ou integridade física do trabalhador em razão da execução de sua atividade laboral e/ou esteja presente no ambiente de trabalho.

    É interessante refletir nesse conceito pois há muitos colegas (de área e de outras) que acreditam que eles, Riscos Ocupacionais, só possam ser entendidos se o perigo (fonte) é diretamente manipulado ou haja alguma interação entre ele e o trabalhador. O que é um equívoco.

    Nos conceitos prevencionista de "Perigo" e "risco", encontramos a definição de que o primeiro tem a ver com a(s) condição(ões) de algo em causar dano ou contribuir para tal, sendo didaticamente apresentado como a "fonte "causadora de lesões, doenças ou seus agravos.

    Já "Risco", como muito bem define a ISO 45001 - Sistema de Gestão de Saúde e Segurança Ocupacional (p. 5, 2018),  é o "efeito da incerteza", o que quer dizer que numa combinação de fatores há a probabilidade de ocorrência de eventos indesejados, na exposição ao perigo.

    Por "efeitos indesejados" devemos entender acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, cuja definição legal (no Brasil) podemos encontrar nos artigos 19 e 20 da Lei 8213/91

    Aqui o equívoco está no entendimento da inteiração direta, entre o trabalhador e o perigo. Isso porque mesmo que não seja ele a manipular diretamente essa fonte seus efeitos podem ultrapassar os limites dessa inteiração e atingir outros naquele ambiente de trabalho.

    Todo professor, facilitador de ensino ou educador, da SST costuma usar aquela imagem clássica de um animal na jaula, para representar o perigo, o tratador se aproximar demais ou entrar na jaula para representar a exposição (o risco), como meio de ilustrar essa relação.

    Mas imagine que o tratador ao entrar na jaula deixa a porta aberta, é atacado e a fera é liberada, atacando outros. É disso que se trata!

    Num exemplo menos alegórico podemos imaginar que um enfermeiro faça uso de uma agulha, medicando um paciente, mas deixa o material contaminado sobre a pia da sala de medicação que perfura um trabalhador administrativo, como um auxiliar de fila, que ali veio deixar fichas médicas.

    Em outro imagine que um operador de empilhadeira, movimentando pallets dentro de uma loja inadvertidamente atropela um promotor de vendas, que organizava produtos em um gondola.

    Ou mesmo que um trabalhador rural que manipula agrotóxicos sem a devida proteção transporta esse químico agressivo pelo ambiente de trabalho contaminando superfícies ou outras pessoas ao toque.

    A depender da agressividade do perigo (fonte) essa exposição ao risco, alheia ao cargo ou mesmo necessidade de interação direta com ela, pode sim representar riscos ocupacionais muito significativos e portanto não devem ter essa possibilidade ignorada, nas suas análises.

         

Classificação.

    Riscos Ocupacionais podem ser didaticamente classificados em 5 tipos principais:

  • Físicos;

  • Químicos;

  • Biológicos;

  • Ergonômicos;

  • Mecânicos ou de Acidentes. 

    Sobre cada tipo é importante conhecer seus aspectos e impactos, como meio de identificá-los, conhecer os efeitos que causam no ser humano e neutralizá-los ou controlá-los; quando não for possível eliminar sua existência no ambiente de trabalho.

    Aqui temos uma ramificação de conteúdo que merece mais detalhamento que abordaremos mais detalhadamente no futuro, mas cabe um pequeno resumo introdutório desses agentes.


Riscos Físicos.

    Os riscos físicos estão associados com transferências de energias (física) presentes no ambiente de trabalho e que por sua natureza podem causar danos à saúde do trabalhador ou a depender intensidade/força pode causar lesões e até mesmo o evento morte.

   Eles são definidos como "agentes físicos" e classificados conforme suas características em 5 categorias: Ruído, Temperaturas extremas (calor/frio), Radiações Ionizantes, Pressões Anormais, Radiações Não-ionizantes, Vibração e Umidade.

    Encontramos, na normativa prevencionista brasileira, um breve detalhamento de cada um deles, com foco em estabelecimento legal de limites de tolerância e características de prevenção aplicáveis, nos anexos de 1 a 10 da NR15.

    Riscos físicos são um tema bastante desafiador para a SST, especialmente porque muitas vezes eles são relacionados a um subproduto do processo produtivo, como o ruído/calor/vibração gerado por um motor, que não tem utilidade prática nenhuma para seu fim, mas é gerado.

    Há também circunstância onde o agente físico é justamente a "força" que queremos produzir para a atividade econômica, como o frio em um frigorífico, o calor em uma fundição, a radiação ionizante em uma radiografia, a vibração em uma peneira industrial; mas que trazem efeitos indesejados ao corpo humano.

   Isso faz com que, para prevenir riscos físicos, medidas de toda escala hierárquica devam ser adotadas, a depender das características do agente físico naquele determinado ambiente de trabalho em função da atividade produtiva e considerando os efeitos nocivos na saúde humana.


Risco Químicos.

    Podemos definir este grupo, de forma genérica, como aquele onde há transformação (reação) de uma ou mais substancias, resultando em uma nova, com propriedades diferentes das originais e que possa causar danos à saúde ou integridade física do trabalhador.  

    Tal como no caso dos agentes físicos, essas reações químicas podem também ser intencionalmente geradas, pela atividade econômica da empresa, ou ser subprodutos, se fazendo presentes no ambiente de trabalho (ar, água, superfícies de materiais manuseados) de modo a configurar a exposição.

    Há, para agentes químicos, uma divisão didática, conforme o estado físico e/ou composição da substância, que os organiza em 5 categorias: Sólidos, líquidos, gases, vapores e poeiras. Outra importante divisão para agentes químicos é quanto ao seus efeitos nocivos, se agudos ou crônicos.

    Encontramos como principal referência normativa para agentes químicos os anexos 11 ao 15 da NR15; embora possamos encontrar outras que tratam de agentes químicos e suas propriedades, como as NR16, 19 e 20, em que pese que essas NR não tratam da toxicidade desses agentes, mas sim outros efeitos prejudiciais à integridade física do trabalhador.

   Na NR16, por exemplo, por caracterizar como perigosa atividades com explosivos sujeitas a "degradação química ou autocatalítica" e produtos inflamáveis. Nas NR19 e 20 tratam de agentes químicos com características explosivas e inflamáveis, respectivamente.

     Quanto às referências normativas, quando se trata de avaliação de agentes químicos prejudiciais à saúde humana, é importante notar que a normativa regulamentadora brasileira não esgota o assunto, tanto que buscamos informações na American Conference of Governmental Industrial Higyenists (ACGIH).

     As Normas de Higiene Ocupacional (NHO) da Fundacentro, também são importantes referências para prevencionistas, como métodos de coleta de dados e réguas de medição, para correta aplicação do conhecimento técnico na avaliação de uma série de agentes de risco, tanto químicos quanto físicos.

    Medidas de prevenção também são aplicadas em múltiplos níveis hierárquico, quando tratamos de agentes químicos, a depender das características do  meio ambiente de trabalho (leiaute, armazenamento, produção,  etecetera) e dos agentes.


Riscos Biológicos.

   Aqui temos uma convergência em relação aos riscos anteriores, uma vez que nos riscos biológicos há processos físico-químicos entre o nosso organismo e "agentes biológicos" invasores como bactérias, protozoários, fungos, vírus e até príons que podem gerar efeitos nocivos à saúde humana.

    Efeitos tóxicos, alergênicos infecciosos, entre outros de gravidade leve, moderada ou severa, aguda ou crônica os riscos biológicos são bastante complexos posto que cada um dos fatores a pouco pontuados dependerão tanto do microrganismo quanto do trabalhador infectado.

    Isso porque agentes biológicos possuem características físicas e químicas próprias, como forma, tamanho, carga elétrica, composição molecular, entre outras que afetam o organismo humano de uma maneira, além disso temos nossos sistemas imunológico, que podem ser mais ou menos suscetíveis.

  A dinâmica de transmissão/contaminação também depende do ciclo de vida daquele agente biológico específico, qual sua forma de transmissão, se direta, aérea (bioaerossóis), por gotículas, contato com mucosas, secreções ou excreções; ou indireta, por veículos ou vetores (mecânicos ou biológicos).

    Agentes biológicos são complexos de serem gerenciados, dada a complexidade do tema, que torna necessária a convergência de campos do conhecimento como ciências biológicas, física e química com de engenharia de segurança e a negligência histórica do anexo 14 da NR15, que parou no tempo, segundo interessante estudo técnico da Fundacentro.

  A prevenção está basicamente em impedir que o ciclo de vida deles se complete, impedindo o contato com o trabalhador, mas que muitas vezes, dado o tipo de atividade de trabalho é complexo, afinal como um enfermeiro não terá contato direto com um paciente?

    Por isso a compreensão dos aspectos fisico-químicos de cada microrganismo que possa ser encontrado em um ambiente de trabalho, ao ponto de se indagar a existência desse tipo de risco associado àquela atividade econômica, é fundamental para o desenvolvimento de estratégia de biossegurança, na prevenção e controle desses agentes.

      

Riscos Ergonômicos.

    Associados às condições de trabalho que geram impactos negativos no organismo do trabalhador, mas que não estão ligados necessariamente a agentes físicos, químicos ou biológicos, neste ultimo não quanto a microrganismos não pertencentes ao organismo do trabalhador.

    Tal como riscos biológicos tratam da relação (nociva) entre microrganismos invasores e o nosso nos riscos ergonômicos podemos enxergar um padrão, mas aqui o ponto central é o desgaste que nosso organismo sofre ao ser exposto a condições não adaptadas para os limites de nossos corpos.

     O ambiente de trabalho é inegavelmente relevante nessa associação de risco, mas nem sempre é visível ou tangível, posto que ergonomia vai muito além de dimensões e características de mobiliário, alcançando outros fatores como ritmo de trabalho, meta e até estrutura organizacional.

     Isso porque estresses e fadigas vão muito além das osteomusculares, infligindo também e nossa saúde mental, o que tem levado os chamados fatores psicossociais aos holofotes da área, nos últimos anos, além dos tradicionais problemas circulatórios, musculoesqueléticos, entre outros que prejudicam nosso bem-estar.

   Embora seja extremamente insalubre e até incapacite com mais frequência os trabalhadores ergonomia, no Brasil não é encontrada nos anexos da NR15, possuindo uma norma própria, a NR17 que apresenta uma série de critérios de avaliação de condições e referências a réguas sobre o tema.

     A ideia de prevenir riscos ergonômicos já encontrávamos na frase "O trabalho deve adaptar-se ao trabalhador e não o trabalhador ao trabalho." encontrada na Declaração de Princípios Fundamentais da OIT (1960). Mas até hoje, século XXI lidamos com o desafio dessas adaptações.

    Ocorre que muitas vezes está no planejamento do trabalho a pior condição não ergonômica a que irá se expor o trabalhador, que associada com o fator que mais contribui para a falta de ergonomia, que são os extremos: nos excessos (movimentos, carga, peso) ou falta (movimento, respeito).

  Por isso é fundamental para as empresas conhecerem muito bem suas atividades e desafios envolvidos e em função dos limites humanos, sejam biológicos, psíquicos ou sociais, adequar suas respectivas estratégias organizacionais a eles, demonstrando não só um diferencial na prestação de serviços ou produção de bens, mas também na sua pegada socialmente responsável.


Riscos de Acidentes (ou Mecânicos).

  Neste grupo nos remetemos ao conceito prevencionista de "risco", já citado, pois tem a ver com a possibilidade de ocorrência de um evento indesejado (imprevisto e súbito) que cause possam causar lesões físicas de natureza leve, moderada, grave ou até a morte do trabalhador.

  É interessante notar que aqui aplicamos uma noção prevencionista do risco, posto que ele é considerado ainda que "possa" causar lesões, nos aproximando dos conceitos técnicos que diferenciam "acidente" de "incidente", para essa aplicação.

    Em maior ou menor proporção este tipo de risco pode ser encontrado em toda e qualquer atividade laboral, independendo de setor, porte de empresa ou perfil de trabalhador os riscos mecânicos são decorrentes de múltiplos e diferentes fatores.

    Por essa exata razão muitas vezes ele não é tão intuitivo quanto possa parecer e demanda olhos treinados para identificá-los, posto que além de informações estatísticas sobre aquele perfil específico de acidentes outros dados são hiperrelevantes  como características de ambiente, máquinas, equipamentos, ciclos de trabalho, etc..

     Por isso é fundamental, para o reconhecimento desse risco utilizar de ferramentas confiáveis de identificação, que utilizem como algoritmo base de sua formatação fatores como {identificação de fontes}+{probabilidade}+{consequências}+{fatores de controle aplicáveis}.

    Tradicionalmente riscos de acidentes são notados pelas Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA) em mapas de risco com a cor azul, diferenciados em intensidades (pequeno, médio, grande) e pontuados em razão da fonte ou circunstância, mas é importante ir além disso.

       

     Esta foi nossa introdução ao tema Riscos Ocupacionais, primeiro tópico abordado em nosso artigo sobre Higiene Ocupacional, como ciências forte na prevenção desses e com relevância estratégica na Saúde e Segurança do Trabalho e seus respectivos sistemas de gestão.

       Há extenso material sobre o tema na literatura prevencionista nacional, havendo inclusive uma Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais (ABHO) com muito material sobre o tema. 

        Aqui nos arranhamos o primeiro milímetro de centímetro desse iceberg, mas apresentando o necessário para que você possa se desenvolver de maneira sólida e crítica no tema, seja um estudante ou já um prevencionista de longos anos (entenda, o quanto antes: TODOS nós somos eternos aprendizes nesse campo). 

        

Gostou desse conteúdo? 👍 Compartilhe em suas redes sociais de preferência! 📢 

Comente suas impressões! Converse conosco, se tiver dúvidas ou dificuldades sobre o tema. 😉👂

Seu feedback, construtivo, é muito bem vindo e ajuda a todos a crescer. 😍 

Fazendo isso você incentiva nossa equipe a continuar produzindo e aumenta a relevância da divulgação de  conteúdo prevencionista no cenário brasileiro. 💪😎


Você também pode ouvir este post pelo Spotify, clicando no link abaixo:


Referências.

ABNT, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Tradução da ISO 45001:2018, Sistemas de gestão de saúde e segurança ocupacional - Requisitos com orientação para uso., 1ª edição, Rio de Janeiro 2018.

BARSANO, Paulo Roberto Higiene e segurança do trabalho / Paulo Roberto Barsano, Rildo Pereira Barbosa, -- 1. ed. -- São Paulo: Érica, 2014.

BRASIL, Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991 que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.

_______, Ministério do Trabalho. Normas Regulamentadoras, Portaria 3214 de 08 de junho de 1978 e portarias seguintes.

FUNDACENTRO. Estudo Técnico anexo 14 da Norma Regulamentadora nº 15 - Agentes Biológicos. Ministério da Economia,  São Paulo, 2019.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O que faz o engenheiro de segurança do trabalho?

O que faz o enfermeiro do trabalho?

EPI podem causar acidentes?