Programas de Higiene Ocupacional

 Programas de Higiene Ocupacional

"Os métodos são a base da ciência; todos os progressos da ciência se baseiam na aplicação de um método rigoroso e sistemático." - Louis Pasteur.


Contextualizando.

    Era o primeiro dia de Paula no novo emprego e para sua surpresa, horas depois de registrar seu ponto, a fiscalização bate a porta de seu departamento.

    Os arquivos do Serviço Especializado em Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) estavam uma bagunça, com pilhas de documentos misturados, entre eles fichas de entrega de EPI de pessoas diferentes, FISPQ, PT, PPP, APR, CAT, até exames ocupacionais, tudo misturado.

  Aquilo em meio do olhar acusador do fiscal foi uma experiência terrível, mesmo porque aparentemente ele não acreditou que era o primeiro dia de Paula, que revirou gavetas, arquivos e pastas não encontrando nenhum programa que demonstrasse organização das ações de segurança da empresa.

    Para piorar, em plena fiscalização, entra um colaborador do jurídico dizendo que é necessário juntar, sob pena de litigância de má fé, os últimos 4 PPRA, em uma ação trabalhista, sacudindo um despacho no nariz de Paula, ignorando a presença do fiscal.

   Vendo aquela situação o agente público aguardou o jurídico sair e então falou que agora acreditava na desorganização da empresa e que realmente ela deve ser nova ali. Então, aplicando o princípio da dupla visita, iria dar 20 dias para Paula buscar ou começar a elaborar um programa, o mais breve possível! 

   Não fosse ela, antes, ter dito compreender a importância da existência documentada dos programas, como instrumento de divulgação aos trabalhadores, organização das ações e registro da história da Saúde e Segurança do Trabalho (SST) a postura do fiscal teria sido diferente. 



Introdução.

  Quem da área não ouviu falar ou mesmo vivenciou uma situação dessas? Em algum nível determinada documentação simplesmente não existia ou não foi encontrada, mesmo que não a tempo, causando prejuízos para a empresa, ainda que ali não houvesse histórico de acidentes.

    Neste post vamos dar seguimento a nossa série sobre Higiene Ocupacional (HO), como sempre não  esgotando o assunto (ele é um universo!), mas sim fazendo uma introdução, auxiliando você a conhecer, se aprofundar ou revisar o tema, refletindo sobre seus pontos chave.

   É claro que falarmos de programas ligados unicamente a HO seria um desperdício de oportunidades nessa conversa, então vamos conceituá-los, exemplificá-los, mas ampliar o alcance do tema, falando também, brevemente, sobre programas de SST e sua importância, para seguirmos evoluindo no assunto.

    É importante reforçarmos que esses "programas" não são apenas documentações de ações e medidas preventivas, mas sim elementos vivos no seu sistema de gestão; indo muito além de mero meios de prova e comprovação de narrativas, embora, também, façam muito bem esse papel.


Conceito.

    Programas de higiene ocupacional dizem respeito ao conjunto de ações de identificação, avaliação e controle de agentes de risco ambientais, conforme um planejamento organizado. São importantes ferramentas que auxiliam na prevenção de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho.   .

   Aqui "riscos ambientais" dizem respeito ao meio ambiente do trabalho, o quarto na classificação de tipos de ambientes, já apresentada anteriormente neste blog [1].

  O ambiente do trabalho é todo local físico onde se desenvolve uma atividade laboral, destinado a permitir que o trabalho remunerado ou não seja desenvolvido em prol daquela atividade fim, ainda que se trate de atividade sem fins lucrativos.

   Este ambiente é o foco da Saúde e Segurança do Trabalho (SST) , tendo por anos sido referenciado no, até então, principal programa da área, o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA).

   A Norma Regulamentadora nº 9 do Ministério do Trabalho (NR09) até antes da atualização de 2021 trazia as principais diretrizes desse programa de higiene ocupacional que visava, com a aplicação da hierarquia prevencionista [2] a prevenção de riscos ambientais.

   Porém, como o foco eram os agentes de risco físico, químicos e biológicos [3] havia a falsa impressão de que a SST tinha apenas este enfoque. Ou pelo menos, a certo ponto, marginalizava os demais riscos, posto que não eram obrigatórios no PPRA.

  Mas isso ficou no passado, pois com a edição do texto de 2019 da NR01 passamos a, formalmente, levar o foco da SST para "riscos ocupacionais" mais amplamente, inserindo riscos ergonômicos e mecânicos (ou de acidentes) na obrigatoriedade do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO).

   Disso tratou uma das melhores atualizações das NR, pela Portaria SEPRT nº 915 de' 30 de julho de 2019 que aprovou a nova redação da NR01 que agora trata do GRO, traz diretrizes para seu funcionamento, fiscalização, educação (de empresas e trabalhadores) e introduz o (agora) principal programa da SST: O PGR.

  Atualmente, no Brasil, observamos condições ambientais, meios de produção e características de ciclos de trabalho quaisquer fatores ou agentes que possam prejudicar a saúde e/ou segurança dos trabalhadores, nos 5 grupos: Físicos, químicos, biológicos, ergonômico, Mecânico. [4]

    A partir desse ponto nos aproximamos, do ponto de vista normativo, de tendências de gerenciamento de riscos ocupacionais no cenário mundial, como as encontradas na antiga OHSAS 18001 e na ISO 45001, tema já tratado  em outro post. [5]

   Note que continua sendo relevantes falarmos de PPRA, posto que ainda temos o prazo legal de 20 anos de arquivamento e você eventualmente terá que resgatar esse programa, para consultas, pelo menos até 2042, já que ele foi descontinuado pela NR em janeiro de 2022.

  O importante aqui é notar e fixar em sua mente que a formalização dos programas de SST, pelo registro de documentos, é fundamental para efetivar as medidas de prevenção e viabilizar o GRO, pois documentada há possibilidade de divulgação, consulta, auditoria, fiscalização e melhorias do todo.

    A cada elaboração e atualização desse documento, formatado dentro da parametrização normativa, constrói-se algo sólido, você pode ver isso como um degrau que permite avançar e subir sua escala de saúde e segurança ocupacional.

    Esses programas são úteis, no presente, por se tornarem contratos de melhorias ambientais (do trabalho), onde as empresas se comprometem a gerenciar seus riscos inventariados, os eliminando, controlando e/ou monitorando, continuamente de modo a cumprir seu papel legal nessa relação.

  Também são igualmente úteis quando pertencem ao passado, arquivados, pois se tornam parte registrada da história daquela empresa, permitindo enxergar onde estavam, comprovando sua evolução ao longo do tempo, sendo uma evidência documental, indo além da memória de suas equipes atuais.

  Por isso não é exagero afirmar que tais programas garantem a perpetuação fundamental da manutenção da SST em um ambiente de trabalho seguro e saudável, especialmente quando tratados como devem ser: elementos vívidos do GRO.

   Autores como LOPES (2013) nos lembram que esses programas devem ser formatados de forma clara e objetiva, de modo que as informações contida neles sejam compreendidas por todos os envolvidos, seja qual for o nível hierárquico na organização.

   Perceba que desse modo há também o cumprimento de um dos principais pontos apresentados no item 5.4. da  ISO 45001 que trata da necessidade da consulta e participação dos trabalhadores nos processos de implementação e manutenção de ações de segurança, inclusos nos programas aqui tratados.


Exemplos de Programas

   A título de exemplo vamos listar alguns programas de SST e  higiene ocupacional, lembrando que neste material os diferenciamos já que o segundo pertence ao conjunto que compõe o primeiro.

  Mas para efeitos práticos os programas de higiene ocupacional são aqueles voltados para a identificação, análise e controle de agentes ambientais que possam causar ou agravar doenças ou mesmo colocar em risco a integridade física dos trabalhadores no ambiente de trabalho.

    Mais amplamente os programas de SST contém os anteriores e outras ações ligadas a gerenciamentos de risco não associados a agentes de risco, como por exemplo um programa de direção segura que não tem um agente associado, mas sim um risco de acidente.

    Alguns dos principais programas de higiene ocupacional são:

  • Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA): já citado, substituído pelo atual PGR.
  • Programa de Controle médico de Saúde Ocupacional (PCMO): o principal programa de monitoramento da saúde do trabalhador, estabelecimento procedimento e condutas para a prevenção e diagnóstico de doenças ocupacionais.

  • Programa de  Conservação Auditiva (PCA): que envolve ações para garantir que não haja exposição ao ruído que gere a chamada Perda Auditiva Induzida por Ruído Ocupacional (PAIRO).

  •  Programa de Proteção Respiratória (PPR): cujo foco é o estabelecimento de medidas de prevenção de riscos respiratórios causados por múltiplos agentes ambientais, como fumos metálicos, gases e vapores químicos.
  • Programas de Vacinação: que visam prevenir doenças ocupacionais pela imunização dos trabalhadores.

    Alguns programas de SST, não diretamente relacionados com higiene ocupacional (sentido estrito) :

  • Programa de Qualidade de Vida no Trabalho: que visa melhorar condições de qualidade de vida que incluem agentes ambientais, mas também outros fatores como organização, hierarquia, comunicação, etc..

  • Programas de Treinamento e Desenvolvimento (PT&D): que visam a capacitação e qualificação dos trabalhadores frente a exposição de múltiplos riscos, incluindo agentes de riscos e riscos mecânicos.

  • Programas de Saúde Mental no Trabalho: que busca prevenir doenças ocupacionais com base em ações relacionadas ao estresse e pressão no trabalho. 

  •  Programas de Atendimento a Emergências: tema já tratado neste blog, vale a leitura. [6]

  • Programa de Proteção Contra Quedas (PPCQ): para prevenção de acidentes em todo trabalho em altura, nos moldes estabelecidos pela NR35. 

   A existência desses programas, frente ao risco inventariado pelo, hoje, principal programa de gerenciamento de riscos ocupacionais, o PGR é muito mais importante do que a tentativa de classificação que queremos, para fins didáticos, dar neste post, este é o principal ponto!

 
Como devem ser estruturados?

     Todo e qualquer programa de higiene ocupacional deve ser estruturado, acima de tudo, de modo que atenda às necessidades da empresa; se comunique corretamente com seu público alvo; e atenda requisitos legais e normativos (quando existirem).

   Para tanto ele deve conter sistematização e método, sua elaboração deve ser feita de maneira estruturada, seguindo uma ou mais metodologias que permitam identificar, avaliar e coletar evidencias de maneira que e subsidiem o plano de ação no controle de riscos ocupacionais.

   Esses métodos devem ser aplicados de modo sistêmico, com planejamento, definição, de modo a atingir um objetivo específico, com dados confiáveis e que possam, sob mesmas condições ser reproduzidos passo a passo de modo criterioso. 

   Essa aplicação garante que toda etapa do processo seja realizada com eficiência e eficácia, minimizando desvios de padrão que possam contaminar suas amostras e/ou aumentar a probabilidade de insucesso nas coletas em campo. Isso é fundamental para a HO.

   Assim, ele deve conter planejamento, método, aplicação sistêmica, objetivo (gerais e específicos), coleta confiável de informações, avaliação criteriosa de dados, compilação de evidências que subsidiem seu plano de ação, participação do público envolvido/interessado, linguagem acessível (ainda que contenha a técnica em seu corpo) e claro, réguas de aplicação para estabelecimento de prioridades, um plano de ação factível e mensurável, com cronograma.

    Aqui não estamos estruturando um programa, ou criando uma fórmula genérica aplicável a qualquer corpo de documento, mesmo porque não há! Você verá que há maior ou menor necessidade da aplicação de cada um desses fatores frente a situação. Mas lembre de seguir o paradigma legal, sempre!

   O que você deve ter em mente é que a elaboração do programa deve ser confiável, organizada e participativa, deve atender às necessidades de prevenção de acidentes da empresa e se comunicar com seus trabalhadores, durante a elaboração e após se tornar um documento escrito.

    

        

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Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Tradução da ISO 45001:2018, Sistemas de gestão de saúde e segurança ocupacional - Requisitos com orientação para uso., 1ª edição, Rio de Janeiro 2018.

BRASIL, Ministério do Trabalho, Portaria SEPRT nº 915 de 30 de julho de 2019, Aprova a nova redação da Norma Regulamentadora nº 01 - Disposições gerais. Brasília, 2019.

LOPES, Luiz Antônio Silveira. Higiene ocupacional: métodos qualitativos e quantitativos. 2. ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2013.




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