O erro humano e a abordagem HOP

 O Erro humano e a abordagem HOP 

(Human and Organizational Performance)



"Alice rapidamente tomou a iniciativa e mentiu, dizendo que sabia pintar rosas e que poderia ajudá-las. A Rainha de Copas concordou e Alice começou a pintar as rosas de vermelho, mas ela estava fazendo um trabalho tão ruim que a Rainha ficou ainda mais irritada..." Charles Lutwidge Dodgson 
    


O Erro Humano


     Erros são indesejados, mas existem e persistem no cotidiano organizacional, contrariando até mesmo o sentido mais amplo dessa palavra (organização), que visa realizar determinada atividade de maneira controlada e sistemática.

    Lidar com eles não é uma tarefa fácil, especialmente porque com o erro há sentimentos de culpa, frustração, medo, entre outros que nos levam a acionar nossos instintos mais primitivos de "bater ou correr". 

    Isso porque  a falta de uma cultura proativa de prevenção leva o individuo a adotar posturas inesperadas (agressiva ou furtiva), tentando esconder o erro ou não responsabilizar-se por ele, muitas vezes a qualquer custo! Mas por quê?

    Identificar erros é essencial para tomada de medidas reativas de prevenção, o que pode no futuro evitar que ele se repita, então na verdade o erro (o que aconteceu) deve ser objeto de estudo e o contrário. 

    O problema é que culturalmente (em muitas culturas pelo mundo) o erro é visto como sinônimo de indisciplina, desatenção, despreparo, e outros rótulos que geram vergonha no indivíduo.

    A aversão ao erro tende gerar um efeito tão prejudicial, se não mais do que o próprio erro, que muitas vezes ocorre como uma reação dos personagens envolvidos: a negação.


    É comum encontrar quem acredite que o erro é evitado com disciplina, palavra utilizada no sentido de que a pessoa deve ser punida, deve haver um reforço negativo ao erro de modo que isso gere dor física ou psicológica, para que "aquilo não se repita".

  Essa postura criou e alimenta uma cultura de medo que motiva as pessoas em situação de vulnerabilidade (e não como querem fazer você acredita "de caráter") a se valer de subterfúgios inaceitáveis, como os exemplificados acima.

    Isso com toda certeza não é nada sustentável e menos ainda bom, pois gera outros efeitos, além dos exemplificados, e cria um circulo vicioso onde o problema (medo) e seu efeito (erro) fica enraizado em um sistema. 

    Gosto muito de lembrar de um vídeo que circulou nas redes sociais e ainda é possível encontrar do apresentador Silvio Santos, eu sei, é um exemplo pouco ortodoxo, mas muitíssimo prático. Nele o apresentador diz: 
"... o homem brasileiro, desde o faxineiro até o presidente da república, nenhum deles saem de casa dizendo "eu hoje vou errar", não! Todos saem de casa com a intenção de acertar..." - Silvio Santo
    De fato, ninguém quer errar, mas por mais que nós desejamos evitar cometer erros, por qualquer sentimento que seja, bom ou mal, eles podem acontecer de muitas maneiras, formas, frequência, intensidade e graus de gravidade e por múltiplos fatores. 

    Em muitos setores, como no setor industrial, naval, aviação, erros podem causar acidentes graves, afetando a segurança dos trabalhadores. Já em laboratórios, erros podem comprometer todo o processo de pesquisa e desenvolvimento, afetando a qualidade do produto final. 

    Na prestação de serviços, um erro pode afetar a satisfação do cliente. No transporte, um erro pode levar a acidentes e consequências graves. Na construção civil, um erro pode afetar a estrutura e a segurança do prédio. (Carvalho, 2016)

   Podemos citar eventos históricos super impactantes na humanidade em que os envolvidos não queriam errar, como o acidente nuclear de Chernobyl (1986), o desastre na plataforma Deepwater Horizon (2010) e o vôo 477 da Air France (2009). Todos fatais e traumáticos. 

    Em cada um desses casos as investigações conseguiram apontar que "o erro" foi causa por uma combinação complexa de fatores como falha de projetos, de comunicação, conhecimento de protocolos, liderança, entre outros. 

    Mas então, como lidar com eles?

A criação de uma Cultura Proativa de Prevenção


    Sob a perspectiva da ergonomia há o consenso de que o erro humano é sintomático, pois está ligado a problemas mais enraizados em um sistema, não sendo a principal causa de um evento indesejado, o que torna sua identificação apenas como um ponto de partida em uma investigação (DEKKER, 2002).

    Cada tipo de erro possui determinados padrões causais, tendo portanto remediações específicas (REASON, 2008).  Assim, para alcançar a medida reativa de prevenção mais eficaz está relacionada com a identificação não só do erro, mas das circunstâncias que levaram a ele. 

    É aqui que a abordagem HOP (Human and Organizational Performance) entra, pois trata a questão com uma visão diferente em comparação com outras formas de gestão de riscos. 

    Para a HOP o erro é uma consequência inevitável da complexidade das organizações e das atividades humanas e não o vê como uma falha individual ou falta de disciplina. 

    Isso quer dizer que erros são sintomas de vicissitudes no sistema, profundas e enraizadas de modo que torna imprescindível examinar mais detalhadamente as condições e circunstâncias (causas) que levaram ao erro (efeito). 

    Nessa abordagem reconhecemos que o trabalhador é sim a parte mais importante do processo produtivo e isso torna necessário chamá-los a participar ativamente da identificação de problemas em busca de soluções.

    Consegue perceber, observando o histórico de todos os acidentes listados, que o comportamento negacionista, o "bater ou correr" gerou perda de tempo preciso e providencias que poderiam evitar cada acidente, ou ao menos mitigá-lo?

    Também se houvesse uma abordagem mais proativa para a gestão de riscos e o envolvimento de todos os trabalhadores, não importando nível hierárquico, na identificação e prevenção de problemas, cada um dele poderia ter até mesmo sido evitado?

    Por isso que os erros vistos como desvios de padrão, como o pessoal de qualidade fala, poderia ser menos estigmatizado permitindo o florescimento da cultura que falamos? 

    HOP estimula essa visão de prevenção proativa de incidentes e redução dos efeitos negativos dos erros, que lembre-se vão acontecer, mas dessa vez em um ambiente de trabalho que encoraja os trabalhadores a relatá-los. 

    Se você transformar isso em um valor, irá gerar essa cultura proativa de prevenção onde erros e até os quase-erros ("near-misses") serão reportados, permitindo análise e aprendizado, com base nessas circunstancias, que levará a reações mais eficazes e portanto melhoria contínua.

    Em resumo, é impotente entender que erros são inevitáveis, devem sempre ser reportados, analisados cuidadosamente realizadas, ter efeitos mitigados, e melhorias propostas com participação dos trabalhadores; e tudo isso deve ser cultural

    Se você chegou até aqui e se sentiu familiarizado com essa abordagem, meus parabéns! Você já está no caminho da abordagem HOP; mesmo não conhecendo pormenores dela. 

    Se não sempre há tempo, de compreender, internalizar, implementar e colher os frutos positivos dela.



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Referências:

CARVALHO, E. M. (2016). Gestão de riscos em saúde e segurança do trabalho: técnicas, ferramentas e estratégias. Editora Elsevier Brasil.
DEKKER, S. (2002). The field guide to human error investigations. Ashgate.
FISHER, R. Pesquisa de site https://improvewithfit.com/ . Consultao em 15/06/2020.
REASON, J. (2008). Human error. Cambridge University Press.








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