O que faz o médico do trabalho?
O que faz o médico do trabalho?
“Qual é a sua ocupação?”
Bernadino Ramazzini.
"Meu médico, minha defesa!" Robert Dernham
Contextualizando.
Márcia passou
por problemas de saúde e esteve afastada de seu emprego por quase 2 meses, um
tempo grande demais para ficar sem salário, já que a perícia do INSS somente tinha
agenda para o final do trimestre; mas agora estava bem, depois de receber alta
médica do hospital.
Ao apresentar
atestado ao seu RH pergunta quando pode voltar a trabalhar, ansiosa por retomar
suas atividades, garantir seu posto naquela excelente empresa e voltar a
receber, afinal o benefício ainda estava aguardando a tal perícia.
“Antes de
iniciar suas atividades você precisa passar no SESMT e ser avaliada pelo Médico
do Trabalho, diz o RH, mas ao ser encaminhada para lá o tal médico nem deu as
caras, disse que sem o resultado da perícia e uma declaração de aptidão para o
trabalho ela permaneceria afastada... (e sem salário).
Mas afinal, o
que faz o médico do trabalho?
A Origem da Saúde Ocupacional e do “Médico do Trabalho”.
Neste ponto e
justo que Bernadino Ramazzini (1633-1714) seja lembrado como um dos grandes
pioneiros da medicina ocupacional ao estudar as doenças dos trabalhadores e
relacioná-las às suas ocupações e desenvolver medidas preventivas.
A obra “De
Morbis Artificum Diatriba” (A dissertação das doenças dos trabalhadores) é
considerada até hoje uma obra de grande relevância na história da medicina do
trabalho, que retrata muitas (54) doenças ocupacionais de diferentes profissões
de sua época, com sugestões para prevenir.
Observando a
fundo, postos que historicamente há outros grandes personagens que observavam e
descreveram as doenças dos trabalhadores, ou melhor de grupos específicos de
trabalhadores, podemos afirmar que a maior contribuição de Ramazzini foi a
antecipação.
Isso porque ao
identificar nexos de causalidade ele passou a antecipar doenças ocupacionais
fazendo algo significativo e usual até hoje: Questionar qual a ocupação do
trabalhador e conhecer os riscos dela.
Seu estudo e
visão teve grande influência na medicina do trabalho moderna, especialmente
porque nos ajudou a compreender a importância da prevenção das doenças
ocupacionais (profissionais ou do trabalho) pela melhoria das condições de
trabalho.
Não à toa ele
é reconhecido como pai da medicina do trabalho.
Contudo há um
outro grande médico que deve ter seu lugar de honra colocado nos anais da
história da medicina ocupacional, um médico inglês chamado Robert Timothy Baker
(1830-1916) que foi o idealizador do setor de saúde ocupacional nas empresas.
Isso porque, no
auge da revolução industrial, um industriário têxtil chamado Robert Dernham
buscou conselhos de seu médico pessoal, Baker, para melhorar a saúde de seus
trabalhadores e evitar perdas de produtividade.
Na ocasião o
Dr. Baker sugeriu que o empresário permitisse que um médico inspecionasse as condições
de trabalho de sua fábrica de modo a conversar com operários e examiná-los, se
tornando o primeiro médico do trabalho, no sentido que conhecemos hoje.
Inclusive o
que você conhece hoje como serviço médico de empresa, a presença no
estabelecimento e outros elementos básicos e finalidade é graças a iniciativa desses
dois Roberts que felizmente criaram um modelo de sucesso que ganhou outras
empresas e países.
Essa medida foi
tomada como relevante ao ponto de ter gerado a famosa frase de Henry Ford "o
corpo médico é a seção de minha fábrica que me dá mais lucro" (Oliveira e
Teixeira).
O modelo de
saúde ocupacional aplicado (não apenas proposto) pelo Dr. Baker, pelos
resultados gerados nas empresas que o adoraram, não só naquela atividade
econômica ou país ganhou tal projeção que marcou presença lá em 1919, com a
criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dentre outras se
preocupava com o tema, em todo mundo.
Em 1948 temos
a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS) que dentre outras providencias virá
no futuro a compor comitês, com a OIT, de relevância para avançar com o tema.
Mas é em 1953
que a OIT na conferência internacional do trabalho apresenta ao mundo, por seus
Estados membros, pela edição da Recomendação 97 que trata sobre a “Proteção da Saúde
dos Trabalhadores” recomenda que fossem promovidas, por todo o globo, a
formação de médico do trabalho.
O “Médico do Trabalho”
É aqui que
passamos a conhecer esse profissional com a nomenclatura que temos hoje, “Médico
do Trabalho”. E em 1958 o que no futuro viria a ser SESMT, que você conhece
hoje, nasce com o nome de “Serviços de Medicina do Trabalho”.
Essas providências,
apresentadas ao mundo e aplicadas pelos países membros das organizações citadas,
passaram novamente a gerar resultados desejados o que inspirou a edição da
Recomendação 112 da OIT que conceituou o Serviço de Medicina do Trabalho.
Essa
Recomendação é considerada o primeiro instrumento normativo, internacional, que
apresenta definições sobre o serviço, métodos de aplicação, funções, pessoal e
outras providencias que viriam a ser tomadas como referência para normatização
do tema pelo mundo.
Para você esse
post está parecendo uma aula de história? Não se apegue a datas e normas, o
importante aqui é conhecer como o pensamento prevencionista evoluiu de filósofos
se sensibilizando com as asmas e deformações do esqueleto de mineiros até a
Saúde e Segurança do Trabalho (SST) moderna.
Em 1995 OIT e
OMS em comitê misto usa o termo “Occupational Health”, que pode ser traduzido
como “Saúde Ocupacional” ou mais livremente “Saúde do Trabalho” e apresentou os
seguintes objetivos:
“O principal
foco da Saúde no Trabalho deve estar direcionado para três objetivos:
·
A manutenção e promoção da saúde dos
trabalhadores e de sua capacidade de trabalho;
·
O melhoramento das condições de trabalho, para
que elas sejam compatíveis com a saúde e a segurança;
·
O desenvolvimento de cultura empresariam e de
organizações de trabalho que contribuam com a saúde e segurança e promovam um clima
social positivo, favorecendo a melhoria das produtividades das empresas. Sendo “cultura
empresariam” aquilo que se refere a sistemas de valores adotados em uma organização.”
(tradução livre)
É interessante
notar que aqui já temos a pista para o que faz o médico do trabalho, pois
basicamente ele, por princípio, deve agir de modo a cumprir com esses objetivos
fundamentais.
Na verdade, a
coisa é bem mais fundamental, pois quando analisamos a resposta do Dr. Baker a
Dernham nós já temos a essência do que um médico do trabalho deve fazer:
· Ter foco na saúde do trabalhador;
· Ter a confiança do empregador (ao ser escolhido)
e do trabalhador (ao se tornar seu médico do trabalho, estabelecendo a relação
médico-paciente);
· Ser atento a todo aspecto ambiental e/ou laboral
que gere impactos na saúde do trabalhador, propondo ações que visem preservação
da saúde;
· Ser responsável por intercorrências médicas
ligadas aos impactos em função de sua anamnese e aspectos do trabalho (ambiente
e/ou rotinas laborais).
Assim, o
médico do trabalho, além dever ser extremamente humanizado, dada as
características e desafios encontrados em qualquer ambiente de trabalho (mais
para uns do que para outros, diferentes entre sí, mas todos relevantes), deve
estar atento a saúde do paciente-trabalhador.
Para ser mais
claro, ele é o bastião da saúde dos trabalhadores de uma empresa, é ele o
profissional legalmente habilitado e que detém conhecimentos para observar se
qualquer fator ligado ao trabalho está impactando na saúde dos demais, gerando
ou agravando seu quadro.
O médico do
trabalho não domina o tema específico relacionado a patologia identificada?
Então ele vai buscar conhecimento colegiado, com outros especialistas para
alcançar os objetivos acima, nunca, jamais e em tempo algum furtando-se a agir
sob o argumento de “não é minha especialidade”.
Afinal ele é
especializado em dizer se há nexo da doença com o trabalho, quanto às
patologias de qualquer natureza, seu tratamento e outras tantas outras providencias
de saúde outro especialista de fato pode ser mais indicado, mas para estabelecer
o nexo é dele a competência.
Isso quer dizer
que é ele o mais indicado para anotar o tal “apto” ou ‘inapto” para o retorno
ou não do trabalhador ao seu posto de trabalho, ainda que deva discutir a
questão com um colega, especializado de terminada patologia; Mas sempre tendo a
condução do caso.
Entendemos o
ponto, mas além da questão filosófica ligada aos profissionais especializados há
também a questão legal, então o que a lei diz sobre as obrigações do Médico do
Trabalho, no Brasil?
A resposta não
está numa única fonte, mas num conjunto de ordenamentos e normas que constroem
o que é e o que deve fazer um médico do trabalho, no Brasil.
A primeira
referência é a lei que “dispõe sobre o exercício da medicina”, tendo sua última
atualização no texto da Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013.
Nela
encontramos já no art. 2º uma claríssima declaração que a atuação médica é em
prol da saúde humana, do indivíduo e da
coletividade, a qual deve agir com zelo, no melhor das suas capacidades e sem
qualquer discriminação.
Transcrevemos
o parágrafo único, que é autoexplicativo:
“Parágrafo
único. O médico desenvolverá suas ações profissionais no campo da atenção à
saúde para:
I - a promoção, a proteção e a recuperação da saúde;
II - a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças;
III - a reabilitação dos enfermos e portadores de deficiências.”
Destacamos o
art. 3º que aduz que o médico é integrante da equipe de saúde e atuará em
colaboração mútua com os demais profissionais de saúde. (Uma só andorinha, não
faz verão, percebe?).
O artigo
seguinte, art. 4º, fazem reserva de atividades e competências privativas aos
médico (confira aqui), sendo interessante aqui acrescentar o art. 195 da CLT
que dá ao médico do trabalho a habilitação legal de caracterização e
classificação da insalubridade e da periculosidade.
Muito bem,
entramos com a indicação do art. 195 da CLT, nas competências do médico do
trabalho, mas seu papel é perfeitamente esclarecido na Norma Regulamentadora nº
4 (NR04) do Ministério do Trabalho, em seu atual item 4.3.1 quando trata das
alíneas de “a” a “k” das competências do SESMT.
Resumidamente,
observamos os verbos que compõem essas competências encontramos “elaborar” ou “participar”
da elaboração de inventários de riscos, planos de trabalho, indicadores de SST;
“acompanhar”, “conduzir” e “implementar” os principais programas, como o PGR e
o PCMSO, bem como investigação de acidentes do trabalho.
“Compartilhar”
informações relevantes para a prevenção. Claro que aqui não se trata de dados
da relação médico paciente, mas sim dados estatísticos, epidemiológicos, etecetera.
“Propor” adoção de medidas corretivas e até mesmo interrupção de atividades, a depender das condições de trabalho avaliadas; Relacionar-se (“manter interação”) com a CIPA+A, como representantes dos trabalhadores. “Responsabilizar-se” tecnicamente por suas orientações.
Claro que
essas atribuições são aproveitadas pra todos os demais cargos encontrados na
NR04 que compões o SESMT, porém, observando o papel do médico, no quadro geral
temos como ponto o especial zelo por ações de saúde, o que inclui acidentes de
trabalho equiparados.
Há outra
interessante atribuição ao Médico do trabalho que pode ser lida na NR07, que
tem natureza de prerrogativa, inclusive, pois o coloca normativamente em
posição de liderança frente aos demais cargos, o item 7.5.5, vamos transcrevê-lo:
Item 7.5.5 "O
médico responsável pelo PCMSO, caso observe inconsistências no inventário de
riscos da organização, deve reavaliá-las em conjunto com os responsáveis pelo
PGR.”
Consegue
vislumbrar o potencial do item? A partir do novo texto da NR07 o médico do
trabalho passa a figurar como auditor e avaliador do conteúdo do PGR, de modo
que observando inconsistências tem poderes para reavaliá-las com os
responsáveis do programa.
A NR07
apresenta algumas diretrizes para elaboração e condução do PCMSO, que devem ser
observadas pelo médico do trabalho, que podem ser resumidas observando os
verbos nas alíneas de “a” a “L” do item 7.3.2:
“Rastrear” e “detectar”
agravos à saúde dos trabalhadores, precocemente, quando relacionadas ao
trabalho, “detectando” possíveis exposições, “definindo a aptidão” de cada trabalhador
“subsidiando” implantações e monitoramento de medidas de proteção, análises
epidemiológicas e estatísticas, decisões sobre afastamentos, notificações de
agravos, encaminhamento à Previdência Social, ações de reabilitação
profissional e readaptações.
Ações de “controle”
de imunização ativa, recomendações do Ministério da Saúde entre outras providências
de vigilância sanitária (passiva e ativa) e outras providências previstas nas NR
são outros pontos de responsabilidade do Médico do Trabalho.
Seguindo a
hierarquia legal a Resolução 2323/22 do Conselho Federal de Medicina (CFM) dispõe
de normas específicas para médicos que atendam trabalhadores. Você pode
conferir no link (aqui).
Nossa, quanta
coisa, não é? Mas isso tudo é só a ponta do iceberg, claro que esse post não
teve a intenção de esgotar o assunto, sendo apenas uma rápida (longa, neh?)
introdução ao tema do que faz um médico do trabalho.
No final nós
podemos resumir em uma sentença: É ele o responsável para ajudar você a
identificar seus limites (do corpo humano), identificar se as forças (temperatura,
pressão, reações químicas, entre outras) que existem no seu ambiente de
trabalho são ou não prejudiciais a sua saúde, monitorar sua saúde e agir para
que ela seja preservada.
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Referências:
BRASIL, Lei nº 12.842, de 10 de
julho de 2013 que dispõe sobre o exercício da medicina, 2013.
________, Consolidação das Leis Trabalhistas,
Decreto Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
________, Ministério do Trabalho,
Normas Regulamentadoras, Portaria 3214 de 08 de junho de 1978 e atualizações, 2023.
CFM, Conselho Federal de Medicina,
Resolução CFM nº 2.323/2022, Dispõe
de normas específicas
para médicos que atendem o trabalhador, 2022. Link
acessado em 23/03/2023
OLIVEIRA, J.A.A. & Teixeira
S.M.F F. (Im) Previdência Social; 60 anos de história da previdência no Brasil.
Petrópolis, Vozes, 1986.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO. Recomendações (ver links no texto)
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